sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Hoasca

Eu bebi um chá conhecido como hoasca, ele é feito de Chacrona e mariri, o chá é um enteógeno.
Vou descrever minha experiência.

Cheguei em cima da hora só restava uma cadeira, todas as outras estavam ocupadas, era uma cadeira branca e dura, pensei logo que teria dor nas costas...E uma cadeira nova apareceu ;) Sorri e agradeci. O mestre pediu que levantassemos e deu ordem para começar a distribuição do chá. Disse para Deus, em oração, que me fosse dado exatamente o que eu precisava.

Recebi dois dedos de novo, voltei para o meu lugar e ganhei uma uva da pessoa ao lado e peguei uma maçã da bolsa que havia trazido. Então tomei o chá como tenho feito com muita gratidão por poder recebê-lo em meu corpo e enquanto a maioria das pessoas cuspia e fazia carretas eu me deliciava. Depois chupei uma uva, tinha dois caroços. Senti vontade de simbolicamente plantar aquelas duas sementes. e comi parte da maçã e segurei o resto. Começou a leitura de documentos e já no final,o transe (Borracheira) foi chegando, forte como nunca antes e eu o acolhi e me entreguei totalmente a ele e entendi que a entrega modifica a experiência, que a entrega possibilita o entendimento e o viver de fato, distante do apenas existir. Ela é a ponte entre o espiritual e o real.

Minha primeira Visão (miração) foi olhar para a terra e ver suas marcas em uma imagem trina, como um caleidoscópio, um bordado tecido pela natureza, cheio de luzes, e senti em mim a arte, a poesia estava em todo lugar, o ritmo, a harmonia, os sons, tudo era equilibrio e perfeição. Senti minha natureza criadora e artística intrinseca, senti que podia criar qualquer coisa, que a arte estava na contemplação do momento, sublime e perfeito, forte em si, único e poético... Olhei para as árvores e vi dança, ritmo, o vento soprava forte e assobiava para mim... Em seguida olhei para o céu e vi muitos urubus acima de nós e a viagem à vida-morte-vida estava começando.

Olhei para minha mão segurando o resto da maçã e minha mão parecia morta, branca e pálida e a maçã enegrecida e haviam formigas em minha mão, senti metaforicamente a morte, a ação do tempo... e a beleza da morte, sua essência. E senti um imenso contentamento por estar viva, comecei a sentir meu corpo pulsar como se a energia vital estivesse me sendo devolvida, o fôlego da criação juntamente com o fôlego da criatura que existe em mim. E mulher selvagem começou a criar vida em mim. E senti minha natureza destruidora e tive vontade de esmagar a maçã, ainda em minha mão e enquanto a espremia entre meus dedos um prazer e um sorriso desdentado de velha tomou conta de mim, entendi minha natureza de vida-morte-vida e o prazer de destruir.

Em instantes voltei para minha infância e um sorriso banguelo e vivo me invadiu a face, e eu lembrei dos pingos de chuva que caiam das telhas na casa de minha avó materna, e a bica que lá formava, adoro cheiro de terra molhada... Lembrei do quintal vasto, cheio de árvores e da terra preta e úmida, meu mundo. Naquele instante me entreguei ao momento e senti a efemeridade das preocupações, a ilusão do dinheiro, das relações, do trabalho, dos filhos... nada existia, além do meu desejo de viver e sentir... Eu sentia que o único sentido da vida era entregar-me ao agora, livre da ilusão do passado infeliz ou do futuro perfeito.

Senti o tempo em minhas mãos, senti meu poder e minha força enquanto meu corpo explodia por dentro de vida, e eu tentava disfarçar o que sentia, mas os chiados e me escapavam e falei baixinho em oração sobre a felicidade de sentir e viver... E no quanto eu havia me domesticado, o quanto era escrava do que achava que os outros pensavam e no que era certo se fazer...

Senti vontade de por a mão na terra e alguns pensamentos me invadiram, e entendi a pre(ocupação) do pensar no que os outros pensam, resisti ao pensamento e me entreguei à experiência e senti pela primeira vez que o medo era ilusão, que vivi quase a vida toda com medo, mas o que eu estava sentindo naquele momento era a minha essência, a minha natureza selvagem e livre... então meti a mão na areia e a acariciei, senti sua textura, sua fluidez e me entreguei a sensação, os restos da maçã estavam cheios de formigas e senti a contração do vômito se formar e pra meu espanto aquela sensação me encheu de prazer, Mas o vômito não veio... Comecei a sentir minhas entranhas, o pulsar das artéria e o animal que eu era. E a desejar o sangue, a sujeira,... Senti a dualidade das coisas que o vazio era cheio e o certo errado, que sujo era limpo e destruir era criar... e que tudo é ilusão.

Olhei para minhas mãos e senti que elas estavam muito limpas e eu as queria sujar, tive vontade de me ajoelhar, mas resisti... tive vontade de arrancar minhas roupas enquanto sentia minha libido de volta, a pulsação e as batidas do coração e a respiração de bicho... e levantei e segui em direção a mata, já estava escurecendo eu entrei no mato e sentei no chão e finalmente me entreguei a terra, e uma felicidade tomou conta de mim, era ela que eu procurava e senti meu ventre crescer e me ajoelhei. e fiquei ali só sentindo por não sei quanto tempo... até o escuro se apossar de tudo... Duas meninas vieram me perguntar se estava bem e eu respondi com um sorriso de canto a canto, nunca estive melhor.

Fui lavar as mãos negras, com o coração transbordando de felicidade. Experimentei Deus, a unidade, a força e a luz... E conversava comigo mesma, sussurrando baixinho... que queria lembrar daquilo para sempre, que eu queria lembrar de mim, da minha essência e da minha verdadeira natureza, dos meus instintos e sentidos aguçados, cheios de vida... Entendi minha natureza masculina e feminina. E como existe vida, além do medo, do nojo, da repulsa, da resistência... e a vida está na entrega, entendi minha natureza cinestésica e minha maneira peculiar de sentir... e enxerguei com a alma, livre e nua...

Experimentei a mente livre quando parei de julgar e resolvi me entregar... e meu corpo teve vida outra vez, quando minha mente se calou e tudo externo a mim morreu e eu senti o desejo genuino por ser livre para experimentar a vida e me perder no momento. Deixei os instintos me guiarem, senti a intuição viva e pulsante. A verdadeira liberdade.